Cem crianças carentes de escolas de Planaltina (DF) e Cabeceira Grande (MG) passam momentos inesquecíveis no Aeroporto Internacional de Brasília e num A-320. Nenhum deles havia entrado antes num avião; foram instantes de alegria e emoção
Freddy Charlson
“Atenção, passageiros mirins da Escola Classe ETA 44 e da Escola Professora Hozana, por favor, preparem-se. O embarque de vocês vai começar agora!”
O aviso informal – bem mais informal do que o habitual – feito ao microfone por um funcionário da TAM causou um abalo de 3.0 na Escala Richter (aquela que mede a intensidade dos terremotos) no saguão do Aeroporto Internacional Juscelino Kubistchek. Gritos, risadas, pulos de alegria, socos jogados no ar, uma festa. A festa, ali, em frente ao Portão 19, contagiou passageiros que estavam em outros portões. De perto ou de longe, eles se espantavam e riam com toda aquela euforia.
Não era à toa. Os 80 alunos do ensino infantil à quinta série da Escola Classe ETA 44, localizada em Planaltina, viviam um sonho. O mesmo ocorria com os 18 estudantes da quarta série do Colégio Professora Hozana, em Cabeceira Grande (MG), município a 120 quilômetros da capital do país. Para muitos, era a primeira vez que viam aviões tão de pertinho. Para quase todos, era a primeira vez que visitavam o aeroporto que recebe 400 aviões e 50 mil pessoas a cada dia. Para todos, seria a primeira vez que entrariam num avião, de verdade. No caso, um A-320, da TAM, com capacidade para 174 pessoas. Sim, aqueles meninos realizaram sonhos em série…
E tudo começou com uma conversa entre a Inframérica, administradora do terminal de Brasília, e a diretora da escola planaltinense, a simpática Denise Valadares de Carvalho. A concessionária queria dar uma alegria aos estudantes e bombar o Dia das Crianças. A diretoria queria dar um upgrade no projeto Meios de Transporte, que desenvolve na escola. Conversa daqui, conversa de lá, busca de parceiros ali, produção acolá. E, pronto! O projeto Passeio no Aeroporto saiu do papel e ganhou asas no aeroporto brasiliense.
Voo em solo
Asas mesmo. Os meninos praticamente voavam pelo terminal na tarde dessa quarta-feira (14/10). Chegaram em quatro ônibus escolares, ganharam camisetas, receberam uma espécie de “cartão de embarque”, passaram pelo raio-x, esperaram a chamada no Portão 19, pegaram um ônibus do aeroporto e, tchan, tchan, tchan, tchan!, entraram no avião da TAM. Ali, nove funcionários – dois pilotos e sete comissários – da empresa, baseados em Brasília, fizeram serviço de voluntariado para mostrar um pouco de sua rotina aos pequenos.
Entre demonstrações do uso correto do cinto de segurança e da poltrona e das luzes, os comissários, além de servirem água e refrigerante, divertiram as crianças. Por “divertir”, entenda-se, brincar, fazer piadas e até dançar, como fez Douglas Lupo, chamado de “Comissário Louco”. Com uma máscara de oxigênio no rosto, ele atravessou o corredor do avião repetidas vezes, dançando “Macarena”. A criançada sorriu até. E só lamentou que a comissária Myrelle Furlan não tenha feito o mesmo, apesar dos repetidos pedidos delas e da tripulação.
“Está tudo tão legal aqui. Estou adorando o passeio, afinal é a primeira vez que eu entro em um avião”, contava a animada Júlia Santos de Sá, 11 anos, aluna da ETA 44 e moradora do Núcleo Rural Sarandi, na região de Planaltina. Júlia sentou numa poltrona na parte de trás do avião, a 30B, e, de lá, observava a tudo, bastante interessada. “Quero ser médica ou veterinária. Adoro cuidar das pessoas e dos animais. E preciso trabalhar para viajar muito”, disse. “Viajar de quê, Júlia?”, perguntou a reportagem do Blog Check In. “De avião, claro. Sonho em conhecer a Europa”, confessou, entre um e outro gole de refrigerante, a filha da babá Alenuzia, e de um funcionário da Embrapa, seu Ronaldo. Boa menina.
Também bom menino, mais um milhão de vezes mais agitado que Júlia, era o pequeno Moisés Pereira Dantas, 7 anos. Ele pulava de cadeira em cadeira, fazia perguntas, pedia refrigerante… “Tô gostando, adorei entrar no avião, tomei refrigerante, li as revistas e achei tudo legal, isso aqui é muito grande”, disparava, a torto e a direito. Também morador do Núcleo Rural Sarandi, o aluno de primeiro ano aproveitou para dizer que quer viajar para Goiânia. “Fazer o quê lá, menino”, perguntou a reportagem do Blog. “Visitar meu amigo que mudou para lá, o Vladimir”, explicou o aluno da paciente professora Ana Lúcia. Uma graça, o Moisés.
Salvando vidas
E, assim, se passou a tarde. Os estudantes saíram do avião e conheceram a Seção de Combate a Incêndio, conversaram com os bombeiros de aeródromo, assistiram uma palestra sobre o trabalho deles e sobre a preservação do lixo, conheceram os equipamentos dos 64 bombeiros que atuam no Aeroporto Internacional Juscelino Kubistchek, viram os cinco carros disponíveis no Terminal, se empolgaram com as aves de rapina, gaviões e falcão, que protegem o ar e a terra em torno das duas pistas do terminal e terminaram o dia com um delicioso lanche oferecido por uma rede de fast food que tem loja no aeroporto.
O lanche – acompanhado de uma sacola com brinquedo, gibi, lápis de cor e folhas para colorir – foi, digamos, a cereja do bolo de uma tarde tão especial. Ao final da aventura, os pequenos estudantes estavam realizados, ainda eufóricos em realizar o sonho de se tornarem passageiros por um dia em um dos maiores aeroportos do país. Muitas, ali, naquelas idas e vindas – até o passeio na esteira foi digno de festa – tiveram, despertada a paixão pela aviação.
Paixão, aliás, que já faz parte do dia a dia de Raniel Humberto Rocha Coelho, 10 anos. Aluno da Escola Professora Hozana, em Cabeceira Grande (MG), ele sonha, um dia, em pilotar um avião. Quer voar alto, conhecer outras cidades que não a sua, que tem meros sete mil habitantes, e viajar muito. “Desde criança eu gosto de avião e até já voei num, mas como passageiro”, brincou o menino. É que o pai, conta, trabalha numa fazenda chamada Santa Matilde, no município.
E, certa feita, Raniel voou num “pulverizador”. “Pul… o quê”, pergunta a reportagem. “Pulverizador”, fala rápido, com o característico sotaque de qualquer mineirinho. “Um avião que voa baixo e joga água, sementes e veneno no solo”, explica. “E esse menino, Raniel, teve medo?”, questiona, novamente, o repórter. “Medo, não. Mas senti um friozinho na barriga, não vou negar, né?”.
Friozinho na barriga, tipo o que ocorreu no passeio, quando Raniel entrou no A-320 da TAM, avião bem maior e bem mais moderno que o pulverizador que voa baixo e que joga água, sementes e veneno nos solos das Gerais. Ali, com cara de bobo e de espanto, Raniel não deu um pio. Olhava para todos os lados. Conferiu janela, teto e corredor, prestou atenção nas orientações dos comissários e, bem, impossível saber o que ele estava sentindo ou pensando naquele momento. Impossível.